A relação de trabalho intermediado por aplicativos, particularmente no setor de transportes, tornou-se um dos temas mais pulsantes no debate jurídico contemporâneo. Este cenário ganhou novos contornos em janeiro de 2023, com decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a vinculação empregatícia entre motoristas e plataformas como a Uber, refletindo a urgência de uma abordagem legal adaptada aos desafios da economia digital.
Uma pesquisa realizada pelo IBGE evidencia a magnitude deste fenômeno: cerca de 77% dos indivíduos que utilizam essas plataformas como meio de sobrevivência ou para aumentar sua renda atuam como autônomos, com a região Sudeste abrigando a maior parcela destes trabalhadores. Além disso, os aplicativos de transporte dominam o setor, contabilizando aproximadamente 704 mil pessoas engajadas. A maioria desses trabalhadores apresenta uma formação educacional de nível intermediário, predominando aqueles com ensino médio completo ou ensino superior incompleto, representando 61,3% do total. Destes, 48,4%, quase metade dos trabalhadores por aplicativo, estão na faixa etária de 25 a 39 anos.
No último 4 de março, o presidente da República assinou uma proposta de Projeto de Lei Complementar (PLC), delineando um novo arcabouço legal para o trabalho via aplicativos de transporte. Esta medida propõe não apenas mecanismos de inclusão previdenciária, mas também estabelece diretrizes para a melhoria das condições de trabalho nesse segmento.
A proposta agora segue para análise e discussão no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, onde será debatida e poderá ser aprovada com possíveis alterações. Se o Projeto de Lei Complementar for ratificado, entrará em efetividade 90 dias após sua aprovação.
O PLC sinaliza para uma abordagem legislativa que reconhece a especificidade e autonomia desses trabalhadores, sem a criação de vínculos empregatícios tradicionais. Entre os pontos destacados, está a definição de trabalhador autônomo por plataforma, requisitos para essa classificação e um pacote de direitos que inclui limites de conexão diária, remuneração mínima e contribuições previdenciárias.
No proposto conjunto de direitos para trabalhadores de aplicativos, o governo federal estabeleceu garantias específicas, incluindo:
- Um limite de tempo de conexão com a plataforma, restringido a no máximo 12 horas por dia;
- Uma remuneração mínima baseada no salário-mínimo, estipulada em R$ 32,10 por hora de trabalho. Desta quantia, R$ 8,03 são destinados à compensação pelo serviço prestado, enquanto R$ 24,07 visam cobrir os custos incorridos pelo trabalhador na execução do serviço;
- A obrigatoriedade de contribuição previdenciária tanto por parte dos motoristas (7,5%) quanto das empresas de aplicativos (20%), calculadas sobre o salário de contribuição;
- Direitos previdenciários básicos para trabalhadoras femininas, alinhados com o previsto para as contribuintes do INSS.
- As plataformas deverão fornecer aos motoristas ou entregadores um relatório mensal detalhando todas as corridas realizadas e demais aspectos relevantes do período de trabalho.
No mesmo dia da assinatura do PLC, a Uber fez uma movimentação estratégica ao solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão nacional dos processos judiciais que discutem o vínculo de emprego com a plataforma, uma medida que sublinha a complexidade e a controvérsia em torno da questão.
Embora a proposta legislativa levante discussões e insatisfações, ela está consubstanciada nos princípios protetivos do trabalhador diante das transformações do mercado de trabalho, uma vez que um dos propósitos da legislação trabalhista é proteger o trabalhador que, no contexto das sociedades capitalistas, representa o elo enfraquecido das relações de trabalho. Deste modo, é inegável a relevância dessa discussão que agora caminha para o Senado Federal e Câmara dos Deputados.
Este é um ponto de inflexão para o Direito do Trabalho brasileiro, onde novas formas de trabalho demandam novas respostas legais. Acompanharemos atentamente os desdobramentos dessa proposta, reconhecendo sua capacidade de moldar o futuro do trabalho em nosso país.
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